
Dizem que, em algum canto esquecido da savana, há um leão curioso. Curioso porque, diferente dos manuais de etiqueta animal, ele não ruge à toa, nem caça para impressionar a alcateia. a seus dias estirado sob a sombra, fingindo desinteresse pelas presas que desfilam insolentes diante da sua toca. Um espetáculo quase cômico — veados saltitando, hienas se vangloriando de pequenos ossos, chacais discursando sobre o que é “ser predador” — enquanto o rei, preguiçoso e silencioso, apenas assiste.
As más línguas, aquelas que circulam de orelha em orelha, afirmam que o leão está ficando com fome. Uma fome não de carne, mas de algo mais indigesto: reconhecimento, mérito, um tipo raro de alimento que, aparentemente, não cai de árvores nem se arrasta desprevenido pelo mato.
Consta que a fome torna qualquer criatura perigosa. O leão, então, começa a sonhar acordado — sonhar não com carcaças mornas e esquecidas, mas com caçadas grandiosas. E é sabido que, quando seu estômago ronca de verdade, ele não escolhe presas: abate desde antílopes orgulhosos até elefantes que se acham imponentes demais para sangrar. O leão faminto, dizem, atravessa até campos habitados, sem se preocupar se há olhos julgadores ou flechas envenenadas à espreita.
De tempos em tempos, alguns notam que ele ensaia levantar a cabeça, olhar ao redor com certo desprezo, como quem avalia se ainda vale a pena ser gentil. Outros comentam que, se esse leão um dia realmente despertar de seu longo sono, talvez ninguém esteja preparado para ver o que ele fará. Não porque seja má criatura — longe disso — mas porque até o mais paciente dos reis perde a diplomacia quando lhe servem, dia após dia, restos de banquetes alheios.
Ainda assim, tudo isso não a de boatos, claro. Pode ser apenas uma coincidência. Pode ser que o leão esteja apenas gostando da vida tranquila. Pode ser. Talvez.
Ou talvez não.